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O desenvolvimento brasileiro nas mãos da soberba coletiva

  • Foto do escritor: rafaelk2077
    rafaelk2077
  • 22 de ago. de 2017
  • 7 min de leitura

A economia não é movida por desejos, mas por incentivos. Chega de pecar. É momento de refletir


Fernanda Torres é o personagem de João Ubaldo Ribeiro na peça “A casa dos Budas ditosos”, dirigida por Domingos de Oliveira. Monólogo de quase duas horas. Um espetáculo de atuação e de texto, escrito há mais de 17 anos, como parte de uma instigante coleção intitulada “Plenos Pecados”, da Editora Objetiva. O mote da coletânea é tratar dos sete pecados capitais. Há, assim, sete livros, escritos por sete talentosos autores (5 brasileiros, um argentino e um chileno), cada um narrando os custos e os benefícios de sentir e/ou agir com: avareza (Ariel Dorfman), gula (Luis Fernando Veríssimo), ira (José Roberto Toledo), inveja (Zuenir Venura), luxúria (João Ubaldo Ribeiro), preguiça (João Gilberto Noll) e soberba (Tomás Eloy Martinez). Todos os temas são um convite a reflexão, mas é possível relacionar o problema central do desenvolvimento econômico brasileiro com um destes pecados: a soberba grupal.


Ao contrario da humildade, a soberba significa orgulho, arrogância, presunção; podendo se manifestar de maneira individual ou grupal. No segundo caso, em particular, dentre as várias facetas da soberba, tem-se o corporativismo, em que uma “panela” crê, por alguma razão, ser superior aos demais cidadãos.


O problema do Brasil é o incontável número de corporações existentes, que, em seus discursos, brandam por um país melhor e mais justo. Óbvio. Por que se manifestariam de forma diferente? Na prática, entretanto, agem como se a realidade fosse outra, fogem de suas reais responsabilidades como partes incontestes do problema e vociferam por seus supostos direitos. Afinal, julgam ser exceções do resto da população. Na verdade, querem privilégios ou não deixar de tê-los. Pior. Com fortes lobbies, em muitos casos, logram alterar importantes marcos normativos, que estavam na direção correta, ou inviabilizar relevantes mudanças legislativas, que alterariam a direção de alguma política equivocada. Como consequência, conforme prevê o law and economics, por via dos incentivos econômicos, colaboram para frear o crescimento e o desenvolvimento do país. É fato: leis alteram o comportamento dos indivíduos. É ação e reação.


O Brasil sempre fez escolhas questionáveis, mas seu rumo, após a adoção da “Nova Matriz Macroeconômica”, foi definitivamente para o lado equivocado. Estímulos e desonerações ao setor privado foram multiplicados, indesejáveis medidas de proteção à economia doméstica foram ampliadas e inaceitáveis créditos subsidiados foram dados. O BNDES chegou a ter carteira de mais de R$ 400 bilhões e a taxa de investimento da economia, em vez de subir, caiu. Pergunta-se, assim, em que medida tais políticas foram efetivas para o desenvolvimento do país? O Brasil tem agora uma competitiva indústria naval e automobilística? Funcionou a política de conteúdo nacional ou das campeãs nacionais? A conclusão é que as supostas benesses para as mais diversas soberbas grupais levaram o Brasil a sua pior recessão da história, que já dura 3 anos. Todos são, assim, avarentos cúmplices desta situação. Que pecado!


De 1994 até 2007, importantes reformas foram feitas no país, como o tripé macroeconômico, a meta de superavit primário, a lei da responsabilidade fiscal, a lei da concorrência e o crédito consignado. Depois do Plano Real, que debelou a hiperinflação brasileira, o Estado pôde respirar e pensar em outras políticas que não fossem mirando à eliminação da inflação. Período de ouro em termos de mudanças institucionais, que contribuíram para fomentar a agenda do crescimento e desenvolvimento brasileiro. A partir de 2007, todavia, com o crescimento mundial a seu favor e o preço das commodities em alta, o Estado, soberbo de seus logros, deixou de ser formiga para se tornar uma gulosa cigarra. Outro pecado!


Piorar de situação é fácil. O difícil é melhorar. Os erros na politica econômica sequestraram anos de crescimento e desenvolvimento na recente história brasileira. Se o país tomou mais de 10 anos para sair de uma taxa de desemprego de 12% em 2002 para 5,5% em 2014, não precisou nem de 3 anos para alcançar 14%. Um desastre econômico e social. A dívida líquida do setor público, por sua vez, se, desde as boas mudanças macroeconômicas dos anos 90 a fez decair paulatinamente de 60% do PIB em 2002 para 34% em 2014, depois de apenas 3 anos já se aproxima de 50% (com dívida bruta na casa dos 75%!). Uma tragédia, anunciada por diversos economistas desde 2010, vale enfatizar.


Atualmente, 95% do Orçamento Federal está comprometido com gastos obrigatórios, dos quais 12% são relativos ao funcionalismo e 57%, à previdência. Como pode o Executivo cortar despesas, sem o auxílio do Legislativo, em especial, considerando que a taxa de crescimento das despesas obrigatórias é maior do que a taxa de crescimento do PIB? Se hoje há 5% do Orçamento livre, em 2018, quanto será? A atuação do Estado está engessada e o brasileiro não suporta mais aumento de tributo (36% do PIB, maior do que o de países pares ao Brasil). Consequentemente, não há para onde fugir. É imperioso ser feita, o quanto antes, uma reforma fiscal estrutural. Sem isso, tributos terão que ser aumentados e/ou metas fiscais ampliadas, o que levaria o Brasil a bancarrota.


Não há almoço grátis. A economia não é movida por desejos, mas por incentivos. Neste ponto, vale dizer que o contrato social brasileiro, que é a Constituição de 1988, já não atende mais as necessidades do Brasil de 2017 para garantir os aspiráveis crescimento e desenvolvimento brasileiro. Pode-se fazer remendos aqui ou acolá, mas os “Direitos e Garantias Fundamentais” (Título II) e, em especial, os “Diretos Coletivos e Sociais” (Capítulos I e II) precisam incorporar com realismo a “restrição orçamentária do Estado”. O Estado precisa ser crítico aos anseios das soberbas grupais e advogar pelos reais interesses da maioria de seus cidadãos, lembrando que o Brasil é um país em desenvolvimento, onde parte da população nem água e esgoto tem. Como deverão ser pagos os serviços essenciais para a população menos privilegiada, aquela desprovida de oportunidade? Afinal, o que a sociedade quer do Estado brasileiro?


Como o Orçamento é único, conceder benesses a determinados grupos é deixar de conceder a outros. É preciso compreender que não se pode querer atender a todos. Escolher é um ato difícil, até porque sempre desagradará alguma soberba grupal, mas há que priorizar projetos, programas e políticas. Com a péssima situação fiscal e respeitando a restrição orçamentária, o Congresso precisa fazer opções complexas, que inclui colocar na mesa programas no campo social como o Bolsa Família, na área da ciência e tecnologia, no ramo da industria naval e outros tantos relativos aos empresários (via desonerações, subsídios diretos e implícitos). É o momento de priorizar.


Neste sentido, acerca da contenda atual sobre o crédito subsidiado do BNDES, vale fazer duas observações. Uma, que se refere à redefinição do papel deste Banco na economia, considerando o “S” existente no final de sua sigla. Nesta vertente, é questionável que frigoríficos tenham obtido 80% destes créditos do Banco. A segunda observação concerne à MP 777/2017, que modifica a taxa de juros de longo prazo de empréstimo do BNDES (de TJLP para a TLP). Não se trata de uma mera mudança de nome na taxa, mas de uma significativa alteração nos incentivos, ao nivelar a taxa de juros de empréstimo do BNDES à taxa Selic, que é o custo de oportunidade da economia em geral (pois remunera os títulos públicos) e do Banco, em particular. Se a MP for aprovada, uma importante distorção na política creditícia do país será eliminada. É, por isso, uma das reformas microeconômicos mais importantes a ser feita, em conjunto com a da previdência, uma vez que a reforma trabalhista e a do teto dos gastos públicos já foram aprovadas.


É fato que vários grupos empresariais são contrários a nova TLP, ainda que esta seja menor do que a taxa que eles tomariam no sistema financeiro. Diante da crise fiscal e considerando o nível de compreensão destes com a realidade do país, ou eles rogam por aumento de imposto (fato que já se mostraram contrários) ou pela manutenção da crise (hipótese improvável) ou são demagogos (conjetura razoável) ou querem que o ajuste fiscal seja feito com outro grupo da sociedade (suposição mais provável). Conquanto seja um desejo compreensível – ainda que fruto de uma notória soberba grupal –, esta escolha deve ser feita democraticamente pelo Congresso e não na forma pouco transparente, via subsídio implícito. Por esta razão, a MP 777 precisa ser aprovada.


Para além da MP 777, há a reforma da previdência, que é a reforma microeconômica mais importante de todas. Primeiro, pelo peso que tem no orçamento público. Segundo, porque a população economicamente ativa (trabalhadores) está crescendo cada vez menos e o número de idosos, cada vez mais. Em 3 décadas, um trabalhador terá que contribuir para a aposentadoria de 2,5 aposentados. Caso não haja reforma, desta forma, investimentos públicos serão narrados apenas em livro de história, pois não haverá como executá-los, devido a falta de recursos. Por isso, vale repetir, é imperante que uma reforma fiscal estrutural bem desenhada (que inclui a da previdência, a da TJLP do BNDES, etc.) seja feita.


O problema brasileiro é monumental, cavalar, gigantesco; mas, para resolvê-lo, há primeiro que reconhecê-lo. É difícil identificar, pois, se a sociedade tem consciência do tamanho desse buraco e quais as consequências se nada for feito. Não se trata de política neoliberal ou de maldade de pessoas insensíveis. Trata-se de colocar os pés no chão e observar a realidade. Trata-se que entender, por exemplo, que não é o momento de cogitar em aumento de salário de funcionário público, mas de ser solidário aos 14 milhões de desempregados do setor privado, que não tem garantia de emprego e têm, em média, remunerações menores do que as do setor público. Trata-se de a classe política compreender que é o momento de se unir pelo país, pois não há tempo a perder. Trata-se de prestar atenção nas sábias palavras da Ministra Carmém Lúcia, Presidente do STF: “quero mudar o Brasil, não me mudar de país”.


O Brasil está atrasado na busca por soluções duradouras e parte da sociedade já está pagando caro por esta demora. Quanto mais tardar, contudo, maior será a dor. O sacrifício, porém, tem que ser de todos. Se os privilégios, altamente disseminados na economia, seguirem valendo e se os diversos grupos seguirem com o espírito de “me incluam fora dessa”, o país quebra de vez. A meia-entrada (feliz expressão de Marcos Lisboa), assim, precisa ser extinta. Que o Estado deixe a preguiça de lado e que as soberbas grupais deixem a avareza de lado. Em breve, a ira da população vai surgir, que terá inveja de países vizinhos, como Chile ou Colômbia. Chega de pecar. É o momento de refletir e agir.


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