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O Cade na era digital dos Jetsons

  • Foto do escritor: rafaelk2077
    rafaelk2077
  • 25 de out. de 2017
  • 7 min de leitura

A conduta anticompetitiva em mercados digitais


Quem não assistiu as séries animadas mais populares produzidas nos anos 60, por Willian Hanna e Joseph Barbera, chamadas “Os Jetsons” e “Os Flinstones” (além do Tom & Jerry), pode-se considerar nascido no meio da “Quarta revolução industrial”, título do livro de Klaus Schwab, organizador do prestigiado World Economic Forum, para se referir a “revolução digital”. Enquanto a primeira série ocorre na “era futurista”, com carros voadores, cidades suspensas, trabalho automatizado, aparelhos eletrodomésticos inteligentes e robôs como colaboradores; a segunda passa na “idade da pedra”, na cidade pré-histórica de Bedrock, com dinossauros como bichos de estimação, carros com rodas de pedra e movidos pelos pés de seus usuários e chuveiros-elefantes.


São séries que contrastam realidades extremas e o fato é que se vive hoje o universo outrora imaginário dos Jetons, que, aliás, devem ter estudado no Vale do Silício, na Singularity University.


Não por menos, o influente jornalista Thomas Friedman, no seu best seller intitulado “O mundo é plano” já dizia que o globo está mais interconectado e interdependente do que nunca. De fato, atualmente todos estão diante de diversas tecnologias revolucionárias (como a plataforma Blockchain, usada pelo Bitcoin e pelo Ethereum) e de uma miríade de empresas que têm investido pesadamente em novos mercados e em novas formas de fazer as velhas coisas. Exemplos de firmas não faltam. Tem-se a Microsoft, a Apple, o YouTube, a Netflix, a Alphabet (dona da Google), o Spotify, o Uber, o Airbnb, a Amazon, a Tesla (produtora de carros elétricos), a Space X e o Blue Origin (que prometem levar pessoas comuns a lua), a Neuralink (que pretende conectar o cérebro humano a computadores para ampliar a capacidade cognitiva e de memória das pessoas), a Braincare (empresa brasileira dona de um sistema não invasivo para detectar alterações na pressão cerebral), dentre tantas outras empresas.


Um interessante exemplo de inovação é o que vem sendo batizado de O2O (“on-line to off-line”). O precursor desta ideia – com atuação mundial – foi a Google. Ela e as redes varejistas de diversos países estão fechando acordos visando alterar a forma como o consumidor pode fazer a sua compra pela internet, cruzando informações dos estoques das lojas com a localização do consumidor. Desta forma, o consumidor terá a comodidade de comprar on line e pegar o bem fisicamente na loja mais próxima a ele. Testes estão sendo feitos no mundo e no Brasil, como é o caso das empresas Leroy, Magazine Luiza, Saraiva e Cultura.


Muitas firmas estão se reinventando – como é o caso da GE e da IBM – e muitas delas usando o método scrum (que tornam os procedimentos menos burocráticos e mais céleres). O Walmart, no entanto, como estará em 2 anos? Neste sentido, os Flinstons, que estavam acostumados a tirar fotos com uma Kodak, a comprar disco vinil na The Virgin e a alugar filmes na Blockbuster, não dispõem mais de diversas empresas na era digital dos Jetsons. Uma fatalidade? Não.


Contrariar o passado é a essência da era digital. É a nova disrupção, que tem chegado de forma rasgada, invadindo e se instalando no cotidiano dos cidadãos. É uma ideia antiga, porém na moda. Antiga, pois foi fundamentada pela primeira vez pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, em 1942, no livro “Capitalismo, socialismo e democracia”, com a expressão “destruição criativa”, que nada mais é o que a tão falada disrupção. Na moda, por sua vez, pois a disrupção, por ter tomado uma velocidade não antes vista, virou palavra corriqueira. De fato, a sensação é que o tempo passou a ter outra dimensão, em que 1 mês hoje é o mesmo que 1 ano há 10 anos. Neste sentido, não deixa de ser a aplicação da “lei de Moore”, relativa ao atual avanço da tecnologia, que diz que um chip dobra de capacidade de processamento a cada dois ou três anos.


Por sua vez, o economista Edmar Bacha nos anos 70 escreveu a fábula “O rei da Belíndia”, em que narrava que o Brasil era uma “Belíndia”, uma mistura de características da Bélgica e da Índia, devido à disparidade de realidades entre os brasileiros. Passados 50 anos, no tocante ao acesso dos brasileiros à rede de internet, infelizmente pode-se constatar este mesmo fato. Segundo a pesquisa TIC Domicílios de 2016, realizada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil, dos (apenas) 54% dos domicílios no país que acessam à internet (em 2005 era de 13%), enquanto as classes A e B têm acesso como os Jetsons, as classes C e D, têm como os Flinstons. Além disso, enquanto no Sudeste 64% dos domicílios têm acesso à internet, no Nordeste este número se reduz a 40%.


Realidade ruim, perspectiva desanimadora. Segundo a firma de consultoria Boston Consulting Group (BCG), para conectar 90% da população brasileira seria necessário R$ 200 bilhões nos próximos dez anos, valor 38% maior daquele investido pelas operadoras nos últimos anos. O problema é que, dos R$190 bilhões gerados pelas operadoras em 2016, segundo a BCG, 40% destina-se ao pagamento dos encargos tributária, sobrando pouco para investimentos. Para reverter esta realidade, discute-se a reforma a Lei Geral das Telecomunicações (retirando a obrigação de universalizar), os Termos de Ajustamento de Conduta – TAC (que trocam multa de operadora por investimentos) e a liberação dos fundos setoriais Fust e Fistel (que justos somam-se R$ 80 bilhões, que poderiam ser usados como investimentos).


Em resumo, conquanto o Brasil esteja diante do mundo dos Jetsons e seja desigual em acesso digital, o uso de novas tecnologias, do “big data” e da inteligência artificial vêm moldando como as empresas estão passando a fazer negócios no mundo (que afetam o Brasil). Se por um lado esta nova era aumenta o bem-estar dos consumidores, trazendo-lhes mais facilidade, qualidade e diversidade quando da aquisição de um bem ou serviço; por outro, as empresas podem, propositalmente ou não, cometer condutas anticompetitivas, unilaterais ou coordenadas.


Um exemplo envolve a Google. A suposta infração à ordem econômica do tipo venda casada surgiu quando a Google requereu de forma obrigatória aos produtores de smart phones, que compram o seu sistema operacional Android, que instalassem também os seus programas Google Search e Chrome. Esta venda casada está sendo investigada na autoridade antitruste Europeia e foi condenada em 2016 pelo Cade da Rússia (FAS) em quase US$ 7 milhões, por considerar abuso de poder de mercado da Google com efeitos exclusionários.


Um segundo exemplo de suposta conduta anticompetitiva em mercado digitais refere-se à empresa Qualcomm. Neste caso, a autoridade antitruste americana (FTC) acusa a Qualcomm (produtora de processadores, neste caso para telefones móveis) de recusar a vender uma versão mais básica de seu processador para smart phone, pois ela já teria versões patenteadas mais sofisticadas que seriam mais lucrativas para a empresa, sem trazer benefícios evidentes para o consumidor.


Um terceiro exemplo de suposta conduta anticompetitiva relaciona-se à proteção de dados. O órgão antitruste alemão (FCO) está investigando se o Facebook, ao coletar dados dos usuários, tem poder de mercado para usar ditas informações de outras formas, sem o consentimento do usuário.


Um quarto exemplo ocorreu em São Paulo entre 2002 e 2011 com autoescolas. A associação de autoescolas, através de um sistema tecnológico, fixou o preço a ser cobrado aos clientes de todos os associados, evitando a concorrência entre as autoescolas. Neste caso, todos foram condenados: as autoescolas, a associação e a empresa de tecnologia.

Outro ponto que vem sendo analisado pelos diversos órgãos antitruste na “era digital” é a aquisição, tanto de start-ups quanto de empresas de tecnologia que coletam valiosos dados de pessoas físicas e/ou jurídicas. A conclusão daquelas diversas instituições é que tem sido a maneira mais fácil do velho mercado evitar novos rivais, sejam estes efetivos ou potenciais.


Deveras, não é difícil verificar a estratégia de empresas “velhas”, já estabelecidas e em geral grandes, de comprarem empresas “novas” rivais, que competem com elas em algum segmento específico, dispondo de tecnologia disruptiva, acesso a um banco de dados mais abrangente e contando com capital humano mais jovem e mais aguerrido. Como as empresas novas conseguem responder de forma mais ágil às ações dos concorrentes, estas acabam sendo mais assertivas junto ao seu público e mais baratas, incomodando a concorrência. É por essa razão que se tem observado que, ao terem seus market shares reduzidos devido à competição ferrenha e destemida das novatas, as empresas velhas preferem – ao invés de investir em novas tecnologias e em capital humano – retirar este competidor agressivo do mercado via aquisição. É, na maioria dos casos (especialmente quando a start up está em estágio mais avançado, podendo ser entendida como uma empresa maverick), mais barato. Além disso, há a preocupação dos órgãos antitruste de se a compra de empresas que vendem alguma tecnologia específica (ou que dispõe de dados valiosos) pode fechar o mercado dos concorrentes da firma compradora, uma vez que ditos insumos são essenciais para os rivais da compradora.


Em suma, nesta nova ordem econômica-político-social, em que tudo está sendo remodelado pela era digital, em velocidade de foguete – o ambiente de trabalho, a geopolítica, a demografia, o ordenamento urbano, a economia, a política, a forma de fazer negócios – como o Estado deve atuar, em particular o Cade? Por um lado, é fato inexorável (e lamentável) que parte dos brasileiros seguem na era dos Flinstons, mas, por outro lado, vive-se as soluções e os problemas da era dos Jetsons. No caso AT&T-Time Warner, por exemplo, não é possível fechar os olhos para concorrência que o streaming vem fazendo ao mercado de TV por assinatura.


Se os burocratas não se atentarem que a “Quarta revolução industrial” chegou para ficar, o Estado – ainda que involuntariamente – pode matar mercados e desencorajar investimentos e o “espírito animal” dos empresários. Uma tragédia para um país de renda média, que precisa crescer e fazer com que todos se beneficiem da era digital.


É tempo, portanto, dos três poderes se reinventarem, em especial o legislativo. É tempo, em particular, do Cade fazer uma profunda reflexão sobre como o órgão antitruste deve agir na era dos Jetsons. Afinal, a vida dos Flinstons só é divertida na telinha da TV.


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