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Antitruste 4.0: desafios de como agir com conglomerados na era da informação

  • Foto do escritor: rafaelk2077
    rafaelk2077
  • 15 de set. de 2018
  • 7 min de leitura

Caminho não deve ser 'separar' empresas, mas rejeitar fusões com elevada probabilidade de frearem a concorrência


Tim Wu é um respeitado professor de direito de Columbia, tendo obtido seu título em Harvard. Já foi professor visitante de UChicago e Stanford, criou a expressão “net neutrality” em 2003, hoje comumente conhecida, e é autor do livro “The rise and fall of information empires”. Além disso, ele tem contribuições relevantes no antitruste, especialmente relacionadas ao setor de telecomunicação, tendo sido consultor sênior da agência antitruste americana (FTC), da agência reguladora de telecom americana (FCC) e trabalhado no departamento antitruste do DoJ nos EUA.


Em entrevista recente ao “The verge” (04/09/18), sob o título “it’s time to break up Facebook”, Wu defende que o antitruste deve voltar a ser mais exigente, com risco para a democracia caso siga sendo leniente, uma vez que as empresas da era da informação estão ficando cada vez maiores e com mais poder. Para ele, assim, o antitruste deveria “quebrar ou separar o Facebook”, começando por “breaking off WhatsApp and Instagram”. Será este o melhor caminho no Brasil?


As credenciais de Wu impõem uma profunda reflexão sobre o assunto pelas autoridades defensoras da concorrência ao redor do mundo. Até porque, outro expoente acadêmico, desta vez economista, também vem alertando acerca dos poderes de mercado, cada vez mais expressivos, dos novos conglomerados na era da informação, que, também, pelo domínio dos dados dos agentes econômicos, fecham os mercados para os novos entrantes. É Luigi Zingales, professor de UChicago. As soluções propostas por Zingales se fundamentam mais na eliminação de barreiras para os novos entrantes do que em respostas radicais, muito embora ele não tenha se oposto à “separação” de empresas de um mesmo conglomerado, como propõe enfaticamente Wu.


Esses alertas (vindos de prestigiados acadêmicos americanos) parecem incomodar o antitruste dos EUA, que tem sido brando comparativamente ao da Europa. De fato, enquanto as empresas chamadas de as “big techs” – como Apple, Amazon, Qualcomm, Facebook, Google, Spotify, etc. – têm sido foco dos reguladores europeus por abuso de posição dominante; nos EUA, os reguladores parecem divergir desta visão.


Deveras, enquanto EUA estudam o assunto, Margrethe Vestager, comissária de defesa da concorrência da União Europeia, tem desafiado essas gigantes do Vale do Silício, argumentando que os “dados” devem ser o foco desta nova fronteira regulatória. Ela aplicou multa ao grupo Google de R$ 19,4 bi à época (o equivalente a $4,3 bi de euros), em 18/07/18, a maior já fixada pelo órgão antitruste europeu. Considerando que o valor de mercado do Google é de cerca de $842 bi de euros, trata-se de percentual baixo, 0,5%, mas que inquieta o antitruste internacional. A estas empresas, a Comissão Europeia tem sido implacável. Mesmo com respeito ao grupo Google, houve outra sanção, em 2017, de $2,4 bi de euros. À Microsoft, entre 2004 e 2013, foram aplicadas multas que somam $2 bi de euros; à Intel, em 2009, foi estabelecida multa de $1 bi de euros, à Qualcomm, em janeiro de 2018, de $1 bi de euros, e à Servier, de $430 milhões de euros.


Aqueles que advogam que as autoridades da concorrência devam “separar” empresas exemplificam os dois casos de “separação” ocorridos nos EUA, quais sejam: (1) a empresa AT&T, que foi dividida em sete Baby Bells (regional bells operating companies), em 1984; e (2) a empresa Standard Oil, que foi segmentada em 34 empresas, em 1911. Há que ter cautela com estas citações, contudo, por ao menos quatro razões, a saber:


Primeiro, porque “separar” empresas, embora não seja uma “new idea”, não é prática tradicional americana (como sugere Wu), sendo esses os dois únicos exemplos na história do sistema antitruste daquele país (que inclui FTC, DoJ e a Corte de Justiça), lembrando que um destes casos ocorreu antes da promulgação do Clayton act, em 1914. Desta maneira, ainda que se possa ir pela via mais radical (“separar” empresas), não é possível afirmar, como Wu faz, que a retomada em 2018 do que foi feito em 1911 e, depois, em 1984, diz respeito a ações corriqueiras do sistema antitruste norte-americano. Os fatos não demonstram a plausibilidade desta afirmativa, ainda que as autoridades antitruste daquele país pudessem ou devessem ser mais severas.


Segundo, porque as empresas que foram “separadas” naquela época, com o passar do tempo, reverteram aquele cenário, tendo participado de fusões que, em alguns casos, envolveram as mesmas empresas separadas outrora. É o caso, por exemplo, das empresas Shell e Esso no Brasil, ou da aprovação da megafusão vertical entre AT&T e Time Warner. Atualmente, assim, trata-se, novamente, de grandes conglomerados (alguns, com concentrações horizontais e verticais).


Terceiro porque, se a autoridade antitruste deseja ser mais rigorosa, esta deve optar pela reprovação peremptória das operações. Aprovar hoje para depois separar as empresas não parece ser a atitude mais adequada para garantir segurança jurídica ao sistema. Se há risco para a concorrência, logo para o bem-estar do consumidor, então, que a operação seja freada de uma vez. Esse é, aliás, o papel de um Estado que verdadeiramente anseia por preservar a concorrência e que seja efetivamente liberal. Como diz Zingales, não há que confundir “pro-business” com “pro-market”.


Autoridades que defendem a ou que advogam pela concorrência almejam mercados mais eficientes, sendo agências “pro-market. Por sua vez, autoridades que aprovam operações com riscos concorrenciais não estão imbuídas de um espírito liberal, de preservação das condições dos mercados e de busca pela melhor alocação dos recursos disponíveis. Se este for o pensamento, o melhor é não ter agência antitruste, caso da Guatemala. Trata-se de uma opção legítima do Estado.


Quarto, porque não se pode distinguir as boas das más intenções do Estado. Um tipo de interferência do Estado é rejeitar uma operação; outra, distinta, é “separar” empresas, especialmente em se tratando de propriedade privada num Estado de Direito. Institucionalmente falando, conceder tamanho poder ao Estado é perigoso e desaconselhável, principalmente em democracias jovens, como o Brasil, em que a primeira lei antitruste vigora há menos 25 de anos.


Dito isso, conquanto se possa questionar que “separar” empresas seja uma atitude extrema e imprópria (ao menos para o Brasil), é fato inconteste, como afirmam Wu e Zingales, que estes novos conglomerados da era da informação têm promovido aumento de poder e fechado mercado para potenciais competidores. O preço de aprovar fusões nesta nova era, assim, pode sair caro para o mercado, em geral, e para consumidor, em particular. Não só porque pode diminuir o ritmo das inovações em diversos mercados ao retirar concorrentes e frear a entrada de novos players, como, também, porque pode, em alguns casos, “fazer” o consumidor abdicar do controle de suas próprias informações para ter acesso a um serviço supostamente “grátis”. Como disse Milton Friedman certa vez: “não existe almoço grátis”. Segundo o artigo “Should the tech giants be liable for content”, da revista The Economist, aproximadamente metade dos norte-americanos adultos obtêm parte das notícias por meio do Facebook, ao passo que o Youtube possui 1,9 bi de usuários por mês.


Há que notar, como salienta Wu, na entrevista mencionada, e a jovem advogada Lina Khan de 29 anos, no artigo Amazon’s antitruste paradox, que o bem-estar não pode se resumir a discussões em torno apenas do “preço”. Até porque, em certos casos, o preço pelo serviço é zero. Se você não está pagando para ter o produto, é porque você é o produto, portanto conclui-se que não há serviço de graça. Qualidade, proteção de dados, diversificação da oferta, dentre outros quesitos, consequentemente, também fazem parte da análise de bem-estar. Há, portanto, que ter atenção com análises quantitativas que envolvem preços apenas, pois, em alguns casos, estas são desprovidas de sintonia com a realidade das empresas em questão e podem, assim, gerar ruído. Análises qualitativas são importantes. Estas, entretanto, precisam corroborar o que a teoria econômica prediz, isto é, precisam ser fundamentadas com boa análise qualitativa. Afinal, órgão antitruste faz política pública e não estudo acadêmico.


Um caminho alternativo à “separação” de empresas é a autoridade negar fusões em que haja razoável dúvida com respeito às suas consequências sobre o bem-estar dos consumidores (não vão além do “preço”), dando atenção à elevação de barreiras aos novos concorrentes e à eliminação da concorrência potencial.


Além disso, agir de forma coordenada com as agências reguladoras no âmbito da advocacia da concorrência, em especial para que os marcos normativos não sejam empecilhos à dinâmica salutar dos mercados. Um exemplo é a lei do SeAC. Será que este conjunto de normas ainda reflete as necessidades do setor comparativamente a quando esta foi elaborada?

Conquanto cada operação tenha suas próprias idiossincrasias, é fato que, diante desta nova revolução industrial (4.0), as análises antitruste tradicionais parecem estar ficando defasadas. Ao menos no que se trata dos mercados relativos à nova era da informação, dos dados e da inovação.

O threshold baseado no faturamento é apenas um dos vários pontos desta obsolescência (uma vez que muitas destas empresas nem faturamento têm), porém definir o mercado relevante por produto é certamente outro tópico que merece revisão. A compra do WhatsApp e do Instagram pelo Facebook, por exemplo, tiveram aprovações sumárias em diversas jurisdições, pois as empresas não constavam de faturamento e argumentou-se que os mercados eram distintos.


Nesta vertente, um threshold adicional (opcional) poderia ser relativo ao valor da empresa.

Para Wu, “The american revolution was about resistance to centralized power. The constitution is about resistence. No one entity should have too much power. I think we are in a time where we need to bring back the controls on bigness”. Ele tem um excelente ponto e está fazendo um alerta.


Tim Wu, Luigi Zingales e Lina Khan, destarte, estão corretos na visão vanguardista sobre o novo ponto de inflexão da indústria 4.0, que requer um antitruste igualmente 4.0. São visionários tentando alertar que o mundo mudou, o antitruste está ficando caduca e precisa de reformas urgentes. O caminho que traz maior segurança jurídica, entretanto, não deve ser o de “separar” empresas, mas o da rejeitar fusões que têm elevada probabilidade de frearem a concorrência e as inovações ou de colocarem em risco a monopolização do acesso aos dados dos cidadãos (PF e PJ). Além disso, quando for comprovada condutas anticompetitivas, multar de forma exemplar, como tem feito a Europa.


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