Uber e bem-estar do brasileiro
- rafaelk2077
- 9 de set. de 2015
- 4 min de leitura
O Uber tem provocado uma celeuma mundial relativa a uma possível concorrência desleal. Há três perguntas a serem respondidas: 1) o Estado deve regular a quantidade de táxi?; 2) o Uber deve ser permitido?; 3) se sim, regular o quê? A análise que segue é microeconômica, se debruça nas idiossincrasias brasileiras e deveria - em conjunto com estudos científicos, como o realizado pelo Cade - servir de base para discussões jurídicas e decisões legais.
Com respeito à primeira pergunta, a presença do Estado se justifica quando há falhas que inviabilizam que o equilíbrio via mercado coincida com aquele que a sociedade gostaria que ocorresse. Dentre estas falhas, há a externalidade. Ela ocorre quando a ação de A gera consequências para B, independente do desejo de B. A fumaça que o ônibus produz, por exemplo, causa externalidade negativa aos transeuntes. Se medidas não forem tomadas, o ônibus soltará mais fumaça do que a sociedade gostaria. Dentre as soluções, o Estado pode regular a quantidade de fumaça.
Esta é a lógica para o Estado regular o número de licenças: supostamente haveria mais táxis nas ruas do que a quantidade que a sociedade gostaria, se o Estado não interferisse. De fato, a congestão pode ocorrer quando o preço (pelo uso da rua) é zero. O incômodo, contudo, está na congestão total de veículos, não exatamente na dos táxis.
Caso não existisse dono das licenças, tarifa poderia ser reduzida e custo do taxista com aluguel desapareceria
Note que, ao mesmo tempo que o Estado regula as licenças, ele subsidia a indústria automobilística, mantém o preço da gasolina baixo e não amplia as rodovias. Além disso, como a renda da população aumentou e o crédito ficou mais acessível, a frota de carros aumentou significativamente. Logo, independentemente dos táxis, cresceu a probabilidade do congestionamento urbano. A externalidade negativa, assim, é causada pelo total de veículos individuais e o Estado deveria desincentivar o uso de todos os transportes individuais (pedágio urbano?), incentivando o de meios coletivos eficientes. Não é possível afirmar, portanto, que regular o número de licenças aumenta o bem-estar.
Com relação à segunda pergunta, a resposta é sim por pelo menos três argumentos: 1) Aumento da concorrência. É o melhor remédio contra má qualidade na oferta do serviço. Há diversas insatisfações ao serviço de táxi e mudanças já ocorreram desde que o Uber passou a ser ofertado; 2) Sistema de avaliação disruptivo. Como o motorista do Uber é avaliado pelo usuário, seu foco é garantir a satisfação do consumidor; 3) Tecnologia de precificação disruptiva. Se a demanda estiver baixa vis-à-vis a oferta, paga-se o preço-base; se estiver alta, paga-se um preço maior. O preço, desta forma, é um sinalizador de escassez, balanceando demanda e oferta. Se o consumidor achar caro, pode optar pelo concorrente. No caso do táxi ocorre o oposto: em horários de demanda baixa, como o noturno, o preço é maior.
Por fim, referente à terceira pergunta, há que regular padrões de qualidade e exigências mínimas para todos (Uber, táxi, etc). Devido ao elevado número de ofertantes, o poder coercitivo do Estado se justifica. Seria ineficiente os demandantes fazerem tais controles. Já o taxímetro não deveria ser regulado. Cada tipo de serviço deveria ter o seu sistema de precificação (uniforme para cada tipo), fomentando a competição entre eles.
No Brasil, as prefeituras concedem licenças para: pessoa física (uma licença) ou pessoa jurídica (várias). No último caso, o dono das licenças (trader) as aluga para terceiros. Caso ele não existisse, a tarifa poderia ser reduzida, pois o custo do taxista com o aluguel desapareceria. O trader tem poder de mercado e há lucro extraordinário. Quem paga a conta da ineficiência é o consumidor e o taxista pagador de aluguel.
Autor — Foto: Celso Pupo/Fotoarena/Folhapress
Dito isso, no Brasil há três "problemas". Um, é que, como em outras jurisdições, a concorrência traz desconforto para os ofertantes-incumbentes. É a destruição criadora de Schumpeter, necessária para se ter avanços na economia. A percepção de que o preço do táxi é alto veio à tona quando o Uber tirou o monopólio dos táxis, brindando um serviço de qualidade superior a um preço competitivo, mesmo tendo que transferir 20% do ganho para a matriz.
O segundo problema é que o valor das licenças no mercado secundário foi reduzido com o Uber, causando insatisfação de seus detentores. O último problema é que o Uber diminuiu a renda do trader, que faz lobby, organiza protestos e ameaça o Estado com os votos da classe. Como os consumidores são difusos e têm baixo incentivo e poder de coordenação, o Estado se vê pressionado a não alterar o status quo.
O Estado, contudo, tem que se adequar às novas tendências com o propósito de aumentar o bem-estar social. Amarrar-se ao status quo custará caro ao país. Trará atraso. Se há uma suposta concorrência desleal é porque o Estado está agindo ineficientemente. Há que discutir o paradigma atual para que o táxi possa competir com o Uber sustentavelmente e não aprovar leis que inviabilizem o Uber. O Uber e outras inovações - internet, whatsapp, serviços compartilhados - são tendências irreversíveis. Rejeitá-las seria um grave erro.
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